hipersensibilidade
1. Introdução
A resposta imune adaptativa é essencial para defender o corpo contra infecções. Todavia, esta resposta pode algumas vezes agir contra antígenos que não representam risco ao hospedeiro e isso pode causar lesão tecidual e doenças graves no indivíduo.
Distúrbios na resposta imune são chamados de reações de hipersensibilidade, que são produzidas em resposta a antígenos inofensivos como alimentos ou medicamentos. Este tipo de resposta está associada a um certo “descontrole” da resposta imune que acaba afetando tecidos do hospedeiro ou microrganismos comensais, ou até antígenos do ambiente. Com isso, o que deveria ser benéfico acaba gerando uma patologia.
2. Causas
1.1 Autoimunidade: reações contra antígenos próprios.
A autoimunidade consiste em uma reação contra as próprias células e tecidos do organismo, quando ocorre uma falha dos processos de Tolerânca Central e Periférica. Assim, doenças autoimunes são as doenças causadas por reações de autoimunidade.
Doenças autoimunes têm caráter crônico e debilitante, sendo um importante problema de saúde pública.
São reações mais prevalentes nas mulheres, por razões ainda desconhecidas. Afetam, ao menos, 2% a 5% da população. Comum entre a faixa etária dos 20 a 40 anos.
1.2 Reações contra microrganismos.
Para ser considerada uma reação de hipersensibilidade contra um microrganismo, deve estar associada a resposta exacerbada ou resistência anormal do microrganismo.
As células T têm um papel importante contra esses microrganismos persistentes que pode, inclusive, estar associado a um foco inflamatório grave. Pode haver formação de granulomas, que são a causa da lesão tecidual em infecções crônicas como a tuberculose.
Caso exista produção de anticorpos contra antígenos microbianos, eles podem para produzir imunocomplexos, que vão se depositar em tecidos, causando, por consequência, inflamação.
Raramente anticorpos ou células T vão desenvolver reação cruzada entre microrganismo e tecido do hospedeiro. Um exemplo que pode ser citado é a doença do intestino irritável, que agride a flora bacteriana comensal do intestino.
1.3 Reações contra antígenos ambientais.
A maioria dos indivíduos saudáveis não reage contra antígenos ambientais comuns, normalmente inofensivos, mas cerca de 20% da população desencadeia uma reação anormal em resposta a essas substâncias.
Essas pessoas produzem anticorpos imunoglobulina E (IgE), que desencadeiam as reações alérgicas. Outros indivíduos podem desenvolver reações de células T, em resposta à sensibilização por contato dos antígenos com a pele, que levam à inflamação mediada por citocinas.
3. Mecanismo e Classificação das Reações de Hipersensibilidade
Coombs e Gell classificaram as reações de hipersensibilidade em quatro tipos:
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Reação de hipersensibilidade do tipo I (hipersensibilidade imediata).
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Reações de hipersensibilidade tipo II (hipersensibilidade mediada por anticorpos).
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Reações de hipersensibilidade tipo III (hipersensibilidade por imunocomplexos).
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Reações de hipersensibilidade tipo IV (hipersensibilidade tardia ou mediada por linfócitos T).
3.1 Hipersensibilidade tipo II
Os anticorpos IgM e IgG podem gerar lesão tecidual através da ativação do sistema complemento, recrutando células inflamatórias e atrapalhando as funções celulares normais. Alguns anticorpos são específicos para antígenos de certas células e são encontrados ligando-se a elas ou como anticorpos livres na circulação sanguínea.
Um exemplo dessa reação consiste na ingestão de certos fármacos como a penicilina. O fármaco se liga à superfície celular e serve como alvo para anticorpos IgG que causam destruição celular. Essa reação é produzida por uma minoria de indivíduos que são suscetíveis e não se sabe ainda o porquê. Desse modo, o anticorpo ligado à célula faz com que esta célula seja eliminada pela circulação, predominantemente por macrófagos teciduais no baço (possuem receptores Fcϒ).
Os anticorpos contra os antígenos celulares causam doenças que afetam especificamente as células onde esses antígenos estão presentes e, frequentemente, essas doenças não são sistêmicas.
Os anticorpos contra antígenos de tecidos causam doença por três mecanismos principais:
1. Opsonização e fagocitose
Os anticorpos que se ligam aos antígenos da célula podem opsonizar diretamente as células ou ativar o sistema complemento, resultando na ativação de proteínas do complemento que opsonizam as células. Essas células opsonizadas serão fagocitadas e destruídas pelos fagócitos.
É o principal mecanismo de destruição celular na anemia hemolítica autoimune e púrpura trombocitopênica autoimune (anticorpos específicos para os eritrócitos ou plaquetas, respectivamente). O mesmo mecanismo ocorre na hemólise das reações transfusionais.
2. Inflamação
Os anticorpos depositados nos tecidos recrutam neutrófilos e macrófagos, que se ligam aos anticorpos ou proteinas do complemento. Tais leucócitos são ativados pela sinalização dos receptores de Fc e liberam seus produtos (enzimas lisossomais e espécies reativas de oxigênio) que provocam lesão tecidual.
Esse mecanismo é o que ocorre na glomerulonefrite mediada por anticorpos.
3. Funções celulares anormais
Os anticorpos que se ligam a receptores celulares interferem na função dos respectivos receptores ou podem causar doença sem inflamação ou dano tecidual.
Anticorpos específicos para receptores do TSH ou receptores nicotínicos de acetilcolina serão responsáveis pelas respectivas doenças: doença de Graves e miastenia gravis. Outro exemplo são anticorpos específicos para o fator intrínseco, necessário para absorver a vitamina B12 que causam, consequentemente, anemia perniciosa.
Atenção!
Os anticorpos que causam doenças específicas de células geralmente são autoanticorpos produzidos como parte de uma reação autoimune, mas também esses anticorpos, algumas vezes, são específicos para microrganismos. Assim, pode-se citar um raro efeito adverso da febre reumática que é causado justamente pela reação cruzada dos anticorpos produzidos para combater a bactéria com antígenos do coração. Os anticorpos vão se depositar no coração, e produzir inflamação e danos teciduais.
3.2 Hipersensibilidade tipo III
Outros anticorpos podem formar imunocomplexos na circulação que vão se depositando principalmente em vasos sanguíneos e, por consequência, causando lesões. Assim, doenças causadas por formação de imunocomplexos compõem as reações de hipersibilidade do tipo III.
Podem surgir quando o antígeno é solúvel, uma vez que é causada pelo depósito tecidual de complexos imunes ou agregados antígeno-anticorpo. Complexos imunes são produzidos em todas as respostas de anticorpos e, portanto, para ser visto enquanto potencial patogênito, precisa ser visto quanto ao seu tamanho e quantidade, afinidade e isotipo do anticorpo produzido.
Complexos maiores ativam o complemento e são mais facilmente removidos pela circulação pelo sistema fagocítico mononuclear. Entretanto, pequenos complexos tendem a se depositar nas paredes dos vasos sanguíneos. Ali, eles podem se ligar aos receptores Fc nos leucócitos, o que causa ativação de leucócitos e lesão tecidual.
Existem reações de hipersensibilidade tipo III de caráter localizado e também de caráter sistêmico.
A reação de Arthus é um exemplo de reação localizada que pode ser ativada na pele de indivíduos sensibilizados por meio de anticorpos IgG contra o antígeno. Já como exemplo de reação sistêmica tem a doença do soro, que pode resultar da injeção de grandes quantidades de um antígeno estranho pouco catabolizado.
Os imunocomplexos patogênicos podem ser compostos por anticorpos ligados a antígenos próprios ou estranhos.
As características das patologias causadas por imunocomplexos serão influenciadas pelo local de deposição do complexo antígeno-anticorpo.
Muitas doenças do sistema imune de amplitude sistêmica são causadas pela deposição de imunocomplexos nos vasos sanguíneos. O grande exemplo é o lúpus eritematoso sistêmico, doença autoimune cujos imunocomplexos se depositam nos rins, vasos sanguíneos, pele e em outros tecidos.
3.3 Hipersensibilidade tipo IV
São mediadas por células T efetoras antígeno-específicas. Essas células atuam da mesma forma que se dá a resposta a um patógeno infeccioso.
Os linfócitos T podem induzir inflamação ou lesão tecidual, resultando em reações de hipersensibilidade do tipo IV, que são causadas principalmente pela ativação de células T auxiliares CD4+. Essas células secretam citocinas inflamatórias que ativam leucócitos (neutrófilos e macrófagos principalmente).
Células T auxiliares estimulam a produção de anticorpos causadores de danos celulares. Os CTLs contribuem para a lesão tecidual em certas doenças.
A resposta é mediada pelas células TH1 que reconhecem complexos MHC classe II nas células apresentadoras de antígeno e liberam citocinas inflamatórias. Essas citocinas estimulam a expressão de moléculas de adesão no endotélio e o aumento da permabilidade dos vasos sanguíneos locais, causando um edema visível. Esse processo ocorre no teste da tuberculina (PPD) naqueles indivíduos infectados previamente pelo Mycobacterium tuberculosis. A reação inflamatória evolui em 24h a 72h.
A lesão mediada por linfócitos T pode ser acompanhada de fortes respostas imunes protetoras contra patógenos persistentes, principalmente os intracelulares que resistem à erradicação por fagócitos e anticorpos.
Muitas doenças autoimunes específicas de órgãos são causadas pela interação autoantígeno-células T autorreativas. Isso gera liberação de citocinas e inflamação. Especula-se que esse seja o principal mecanismo da artrite reumatóide, esclerose múltipla, diabetes melito tipo 1, psoríase e outras doenças autoimunes.
Reações de células T específicas para patógenos e antígenos estranhos também podem resultar em inflamação e lesão tecidual, como o que ocorre com a tuberculose.
A tuberculose é uma doença infecciosa cuja lesão tecidual é causada principalmente pela resposta imune do hospedeiro, contendo inflamação e fibrose com potencial para destruição estrutural e funcional, especialmente nos pulmões.
As células TCD4+ e CD8+ podem ser fontes de citocinas também na chamada sensibilidade de contato. Consiste em um conjunto de doenças cutâneas causadas por exposição local a substâncias e antígenos ambientais. Algumas dessas reações tornam-se crônicas e, então, serão chamadas de eczema.
Especula-se que a ação das células T contra bactérias intestinais é a base de algumas formas de doença inflamatória intestinal.
Referências
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ABBAS, Abul K; LICHTMAN, Andrew H; PILLAI, Shiv. Imunologia celular e molecular. 8. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2015. xii, 536 p. ISBN 9788535281644.
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MURPHY, kenneth; TRAVERS, Paul; WALPORT, Mark. Imunobiologia de Janeway. 7. ed. Porto Alegre, RS: Artmed, 2010. 885 p. ISBN 9788536320670.